quarta-feira, 23 de outubro de 2013

O campo de Higgs poderia ser a mesma coisa que o éter, da época de Aristóteles, só que explicado de uma forma mais sofisticada?

Não, trata-se de conceitos bem distintos. Segundo a visão aristotélica do mundo, que perdurou por dois mil anos, o universo consistia de 10 esferas concêntricas em torno da Terra. Os elementos terra, água, ar e fogo compunham as três esferas terrestres, delimitadas pela esfera lunar. As esferas além da Lua, imutáveis, consistiam do quinto elemento, o éter. Este seria uma substância passiva, sempre em repouso.
O conceito de éter reapareceu no século 19 como o meio onipresente no qual se propagam as ondas luminosas. A relatividade especial, de 1905, idealizada pelo físico alemão Albert Einstein (1879-1955) – amparada pelo resultado negativo do famoso experimento feito em 1887 pelos norte-americanos Albert Michelson (1852-1931) e Edward Morley (1838-1923) – eliminou o conceito de éter do arcabouço conceitual da física moderna.
Hoje, o chamado Modelo Padrão das Interações Fundamentais – teoria com a qual os físicos explicam como a matéria é formada e quais as forças que existem na natureza – inclui o bóson de Higgs, que, no caso, serve para ‘separar’ – ou quebrar a simetria, como se diz na física – a força eletromagnética (a responsável pelo atrito, por exemplo) da força fraca (a que atua em certos tipos de radioatividade). As outras duas forças da natureza são a gravitacional e a forte – esta última, como a fraca, só age nos domínios do núcleo atômico. Cada uma dessas forças é ‘carregada’ (ou transmitida) por uma ou mais partículas, os chamados bósons. Exemplos: Fótons (eletromagnética), fraca (W+, W- e Z0), glúons (forte) e o teorizado (mas ainda não detectado) gráviton (gravitacional).
Todos esses bósons têm massa nula, com exceção dos da força fraca. E isso era um mistério até a década de 1960. O bóson de Higgs surgiu justamente em um contexto teórico para ser o responsável por conferir a propriedade massa aos W+, W- e o Z0. Além disso, o bóson de Higgs é também o responsável por ‘dar’ massa às outras partículas, como elétrons, neutrinos, quarks etc.
Assim, éter aristotélico e bóson de Higgs dificilmente podem ser interpretados de forma semelhante. Os dois conceitos se desenvolveram em contextos históricos totalmente distintos, no interior de modelos da realidade completamente diversos. E, mesmo no interior de cada modelo, eles têm funções diferentes. (João de Mello Neto, Instituto de Física, Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Revista Ciência Hoje, Novembro de 2012

sábado, 12 de outubro de 2013

Como os satélites e os ônibus espaciais reentram na atmosfera terrestre sem se incendiar? O que pode acontecer com os astronautas a bordo?

Vários fatores podem influenciar o destino de veículos espaciais quando eles se chocam com uma atmosfera planetária. Os mais significativos são a densidade atmosférica, a forma e a massa do satélite, e o seu ângulo de incidência ao entrar. Os mesmos princípios se aplicam também para objetos naturais, como os meteoros, por exemplo. O conjunto desses fatores pode incendiar o corpo que está entrando, trazê-lo de forma segura até camadas da atmosfera onde ele se comporte como um avião ou, ainda, jogá-lo de volta para fora da atmosfera, como uma pedra que, arremessada sobre a superfície de um rio, de forma quase paralela, saltita até afundar. No caso dos ônibus espaciais, ainda é possível realizar manobras orbitais, como mudanças de órbita ou de atitude (posição relativa do satélite), para garantir que o veículo atinja o destino desejado pela missão. Os ônibus espaciais mais usados hoje, como o Discovery, o Atlantis e o Endeavour, têm um revestimento térmico especial que os protege do forte atrito com a atmosfera. Se houver alguma falha, os astronautas não têm muita chance de sobreviver. Eles podem morrer carbonizados se o ângulo de incidência provocar uma reentrada do ônibus espacial rápida demais. Ou ter uma morte mais lenta e sofrida se a nave não conseguir entrar na atmosfera e ficar “quicando”, como uma pedra arremessada no rio. Nesse caso, pode acabar o oxigênio no interior do ônibus. Até agora, nunca houve um acidente com vítimas fatais durante uma reentrada.

Walkiria Schulz (Astrônoma do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), de São José dos Campos, SP).

 Revista Galileu, Maio de 2000.

Por que apenas dois elementos, mercúrio e bromo, são líquidos à temperatura ambiente (20°C, por exemplo)?

A ciência não tem uma resposta formulada em termos simples para essa questão. Vários elementos químicos são líquidos à temperatura ambiente, mas isso depende do local considerado. Em um local onde a temperatura não chega a 26°C, apenas o mercúrio e o bromo são líquidos, mas em outro, com 40°C, também seriam líquidos frâncio, césio, gálio e rubídio.
Os vários elementos líquidos à temperatura ambiente (dependendo do local) têm natureza química muito diferente e, portanto, estruturas eletrônicas também muito diversas. Consultando uma tabela periódica, o leitor verá que o bromo não é um metal, que o mercúrio é um metal de transição, que o frâncio, césio e rubídio são metais alcalinos e que o gálio, embora também seja um metal, é de outra família, a do alumínio.
Podemos ler em alguns lugares que o fato de o mercúrio ser líquido à temperatura ambiente deve-se a uma “contração relativística dos orbitais atômicos, fazendo com que sua estrutura se aproxime da de um gás nobre, o que dificulta o compartilhamento de seus elétrons”. Essa explicação, porém, conflita com muitos fatos, a começar pelo fato de os átomos do gálio, que tem ponto de fusão de 30°C, compartilharem seus elétrons sem nenhuma dificuldade. Além disso, a estrutura do frâncio, césio e rubídio, sendo metais alcalinos, é muito diferente da de gases nobres.
Portanto, o fato de um elemento ser ou não líquido em uma ou outra faixa de temperatura não depende direta e exclusivamente de suas estruturas eletrônicas. A mecânica quântica não nos dá uma resposta satisfatória para esse problema, assim como para muitos outros, que se possa resumir em poucas palavras simples.
Existir no estado líquido ou sólido depende, na verdade, das interações entre as moléculas (e existem vários tipos de interações, com intensidades diferentes). Para que os leitores não fiquem frustrados com a falta de uma explicação, sugiro que leiam sobre as intrigantes diferenças de propriedades entre o gálio e o mercúrio. O mercúrio ferve a 357°C, mas o gálio existe como líquido até 2.403°C (é o líquido que existe na maior faixa de temperatura conhecida). O mercúrio não adere a quase nenhuma substância, mas o gálio adere fortemente ao vidro, à pele e a alguns têxteis. Além disso, ao se solidificarem, o mercúrio sofre contração, enquanto o gálio se expande. Por quê? A ciência não tem hoje explicações simples para esses fenômenos, mas o leitor disposto a explorar o tema encontrará ideias interessantes.

 Fernando Galembeck
Instituto de Química, Universidade Estadual de Campinas
 Revista Ciência Hoje, Novembro de 2009.